sábado, outubro 24, 2015


O Cachorro Preto

(trechos de texto de Raquel Avolio - editado por mim) 

"Um, dois, três... vá, você consegue. Você não apenas consegue, você também precisa. Um, dois, três… por favor, vamos, você não tem o dia inteiro.”
A frase acima assemelha-se ao discurso de alguém que tenta escalar uma montanha ou atingir alguma meta que requer esforço anormal, mas é só o tipo de coisa que um indivíduo
deprimido fala para si mesmo ao tentar levantar da cama num dia comum. A depressão não é algo poético, ao contrário do que muitos pensam, e não é assunto para ser romantizado. Há um mito que cerca a condição e ele precisa ser extinto. 
A depressão não ajuda pessoas criativas. O sofrimento pode inspirar, mas a depressão paralisa. É uma doença cruel, dolorosa e insidiosa que leva o hospedeiro a ter vontade de pedir ajuda para tomar banho, pentear cabelos e escovar os dentes: ela leva embora a energia vital presente em cada um de nós, transformando tarefas simples como se alimentar em tarefas complicadas como erguer um monumento. É uma máxima: não há beleza na depressão.  Muitas vezes os incentivos não geram resultados, todo e qualquer esforço falha ou parece falhar, e a desistência se apresenta como a única saída viável. 

Ainda bastante incompreendida, a condição "depressão" leva os portadores a serem vítimas de preconceitos e julgamentos, estes que são alguns dos principais aspectos sociais da doença. Além de suportarem diversos martírios dentro de si mesmos, depressivos são julgados “preguiçosos”, “inúteis”, muitas vezes escutam insultos de pessoas próximas, aquelas que deveriam ajudar e cuidar: “Levante daí, você não cansa de ficar nessa cama o dia inteiro?”, “E então, quando você vai decidir fazer algo da sua vida?”, “Você parece bem, não parece doente, está rindo, será que não poderia fazer algo que preste?”, “Me poupe, isso não passa de frescura”.
Além disso, é comum que pessoas deprimidas não suportem ouvir o termo “reagir”. “Reaja!”, o mundo parece gritar em uníssono. Por favor, parem! É uma situação extremamente delicada. Não é assim que funciona, não foi e nunca será. 
Depressão não é tristeza. Estamos reagindo, mas estamos acorrentados, e do que adianta tentar fugir quando seu carcereiro decidiu te acorrentar? O único resultado que será possível obter é o cansaço, e nossos corpos já não comportam mais qualquer adição de cansaço. Estamos fazendo o possível.

Não há depressão que seja igual. A depressão é única para cada portador, o que faz dela um martírio solitário. É a doença da solidão, do isolamento, e, por fim, da ausência de amparo. Muitas pessoas deprimidas são abandonadas ou ignoradas por seus familiares, cônjuges e amigos quando mais precisam de conforto e ajuda. As pessoas cansam e vão embora. O deprimido não quer dar trabalho, não quer causar desconforto, mas precisa de amor. Não pedimos para ter uma doença. Da mesma forma que alguém não escolhe um câncer, não escolhemos desenvolver a depressão.
O amor é um aliado porque nos fortalece e nos torna mais esperançosos no que tange a luta diária por coisas que não deveriam envolver lutas: é como se, ao sentirmos que somos amados, estivéssemos lutando com um propósito que não é apenas o de permanecermos vivos. Se você conhece alguém que sofre de depressão, demonstre compaixão. Desenvolva sua empatia, ela pode salvar uma vida. Se você sofre de depressão, tente buscar o amor. 

Como se não fosse doloroso o suficiente o fato de estarmos sendo julgados com frequência, também ocorre de sermos interpretados das piores formas possíveis. 
O inferno parece não ter fim: se elaboramos alguma desculpa para não sairmos de casa em determinado dia, somos péssimos amigos. Mas não somos, na verdade. Acreditem que zelamos por nossas amizades, acontece que não queremos dizer coisas como “desculpe, hoje não, talvez na semana que vem, sabe, faz três dias que tento sair da cama e não consigo, mas hoje consegui ir até a cozinha e fazer um lanche, de tanta felicidade por ter feito isso eu poderia dançar frevo se tivesse alguma energia restante”. Ou então: “não acho que é uma boa ideia ir naquele encontro de hoje, eu acabo de ter uma crise de choro no chão do meu quarto”. A maioria das vítimas da depressão crê que é bom evitar contribuir para que sejam vistas como “loucas”, e omitem detalhes de suas lutas diárias contra a doença na tentativa de sentirem-se mais “normais”.

Talvez um dia os grandes cientistas desenvolvam a arma definitiva para aniquilar o monstro para sempre.
Até lá, resta a luta. Ou não. 

(trechos de texto de Raquel Avolio - editado por mim) 





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